As Escolas Penais. A criminologia nasce há muito tempo, muito antes de Lombroso (nascido em Verona aos 6 de novembro de 1835) e de Beccaria (nascido em Milão no dia 15 de março de 1738).
Conforme vimos anteriormente, Friedrich Spee[1], com seu texto CAUTIO CRIMINALIS, é tido como o verdadeiro marco do nascimento e difusão da Criminologia. A Césare Lombroso deu-se o estabelecimento de um cientificismo próprio do surgimento do positivismo jurídico.
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A Lombroso devemos o reconhecimento de que a medicina e outras ciências cuidariam de uma forma científica do fenômeno social DELITO. Lombroso foi o criador de uma Escola Penal: a Positiva. Seus seguidores passaram a denominar de “pensamentos clássicos” todos os anteriores ao pensamento positivista criminológico.
Assim, a partir do surgimento da ciência POSITIVA criminológica percebeu-se que o desenvolvimento histórico do Direito Penal abriu portas para que correntes de pensamento, que objetivaram converter o estudo do fenômeno cultural em ciência, viessem à tona. Tais correntes são denominadas, genericamente, de Escolas Penais.
Em linhas gerais, as Escolas Penais sintetizam correntes de pensamento sobre os problemas que envolvem o fenômeno do crime e da criminalidade, bem assim sobre os fundamentos e objetivos de todo o sistema penal, e correspondem, em maior ou menor medida, às fases de evolução do pensamento metodológico penal. Jiménez de Asúa as define como “corpo orgânico de concepções contrapostas sobre a legitimidade do direito de punir, sobre a natureza do crime e sobre o fim das sanções” (VIANA, 2018, p. 34).
As construções científicas elaboradas após as sólidas aportações de Beccaria (o Marquês de Bonesana) – em especial sua obra “Dos Delitos e das Penas”, escrita em 1764 – divergem, essencialmente, quanto à orientação das explicações sobre a natureza das penas e pelo método científico adotado.
As discussões polarizam-se entre as duas principais Escolas: a Clássica e o Positivismo Criminológico. O método lógico-abstrato ou dedutivo foi utilizado pelos clássicos. Por outro lado, o Positivismo Criminológico empregou o método indutivo. Essa divergência de métodos ancora o fenômeno conhecido por luta de escolas (VIANA, 2018, p. 34).
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A Escola Clássica possui raízes doutrinárias ligadas à antiga filosofia grega, a qual afirmava que o delito nada mais era que uma afirmação da justiça. Seu desenvolvimento ocorreu no século XVIII, onde foi idealizada como uma corrente de pensamentos que se opunha às arbitrariedades que envolviam o ancien regime, a fim de garantir os direitos do indivíduo.
Curiosamente, é importante salientar que, conforme dispõe Roberto Lyra, amparando-se em Jimenez de Asúa e Enrico Ferri, que a Escola Clássica não foi assim denominada, em um primeiro momento, por seus teóricos. Tal denominação foi cunhada, a posteriori, por seus adversários, isto é, os teóricos da Escola Positiva. Estes, como acentua Asúa, “reuniram todas as teorias precedentes, sob o dístico de Escola Clássica, para combatê-las sem dispersar as suas agressões” (LYRA, 1936, p.40).
Apesar de aparentar ser uma escola penal bastante uniforme, os representantes da Escola Clássica possuíam pontos de vista diversos, até mesmo divergentes, em alguns pontos, mas que detinham, entre si, percepções convergentes acerca de axiomas basilares.
Em razão disso, muito se discute a respeito da natureza de verdadeira escola desta corrente: por um lado, com as obras dos grandes criminalistas trazia-se o estudo teórico da justiça penal às doutrinas filosófico-jurídicas; por outro, seguindo a escola dos criminalistas práticos dos séculos anteriores, continuou a corrente crítico-forense destinada apenas a ilustrar e interpretar, com maior ou menor amplitude sistemática de critérios, os códigos penais vigentes em alguns países; por fim, uma terceira corrente se formou, a Escola Clássica Penitenciária, mas sem grande desenvolvimento científico, visto que os criminalistas clássicos não lhe dispensaram atenção (FERRI, 1999, p. 60).
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Apesar da extensa discrepância de ideias, algumas conjecturas são substanciais entre todos os representantes da Escola Clássica, sendo elas: o método dedutivo, também conhecido como lógico-abstrato; a concepção de crime, que não diz respeito a um simples fato, mas sim a um ente jurídico; o fundamento da responsabilidade, que se assenta na moral e tem por base o livre-arbítrio; o fim da pena, que deve ser vista como uma retribuição, uma consequência da natureza humana; e o conceito de criminoso, que envolve o livre-arbítrio e o princípio do indeterminismo.
A partir dessas conjecturas substanciais, percebe-se, nitidamente, que a base filosófica e o postulado-guia da Escola Clássica é o livre-arbítrio. Uma vez que o homem é livre em suas escolhas, este se torna legalmente responsável por quaisquer crimes que venha a cometer.
Segundo Exner, o indeterminismo absoluto é a premissa inicial: “a vontade humana é totalmente livre, livre de qualquer condição determinante, assim que subtrai qualquer importância às disposições e influências ambientais” (EXNER, 1949, p. 30).
A Escola Cartográfica, por sua vez, teve grande importância no que diz respeito à consolidação do método que hoje é empregado pela Criminologia, estando seu nome, inclusive, ligado ao matemático belga Lambert Adolphe Quetelet, que aproximou esta corrente da disciplina da probabilidade, pois acreditava ser possível compreender o comportamento do humano delitivo.
Quetelet estabeleceu algumas premissas básicas, a partir das quais seria possível derivar leis gerais capazes não somente de explicar, como também de predizer o aparecimento de comportamentos humanos (delitivos).
Noutros termos: ele considerou que leis físicas poderiam medir o comportamento do homem médio. A partir desse homem médio e da análise de uma série de casos e vetores, argumentava, que as individualidades deixam de ter relevância e seria possível prever o futuro comportamento humano (VIANA, 2018, p. 34).
Ao contrário dos representantes da Escola Clássica, Quetelet não defendia as ideias ligadas ao livre-arbítrio, já que possuía uma perspectiva puramente estatística, podendo ser considerada até mesmo determinista. Contudo, em contramão ao determinismo clássico, o matemático belga acreditava que o melhoramento de vetores criminógenos poderia provocar a redução do risco do crime.
É possível perceber, portanto, que o principal mérito da Escola Cartográfica, segundo a doutrina majoritária, corresponde à herança deixada pelo método estatístico. Ao observarmos as exposições de Quetelet, confrontando-as as anteriores pseudociências, verifica-se uma dessemelhança basilar: o matemático belga foi o primeiro a descobrir uma explicação social para a origem do comportamento criminoso. À vista disso, constata-se que o principal legado da Escola Cartográfica à Criminologia, resumidamente, foi viabilizar a transição da microcriminologia para a macrocriminologia.
Já a Escola Positiva, no que lhe concerne, chegou rompendo paradigmas. O vazio explicativo deixado pelos representantes da Escola Clássica propiciou o aparecimento dessa nova diretriz ideológica, pautada, principalmente, na notoriedade das ciências da natureza e na consolidação do método de exploração no estudo da natureza humana.
A existência ameaçadora das massas, dentre estas as classes perigosas, e o grande incremento das ciências experimentais levaram estudiosos à constatação de que era mais útil estudar os delinquentes do que ater-se abstratamente a proporcionalidades, pretensiosamente justas, envolvendo delitos e penas. Desta inversão teórico-metodológica, surgiu um novo paradigma superestrutural, representado pela Escola Positiva de Direito Penal, fundada através da publicação, por partes, entre 1871 e 1876, do livro L’uomo delinquente (O homem delinquente), de Cesare Lombroso (BANDERA, 2014).
Segundo Ferri, a mais acentuada distinção “entre a Escola Clássica e a Escola Positiva não está tanto nas conclusões particulares, pelas quais, como veremos em seguida, se pode estabelecer um acordo […]. A diferença profunda e decisiva entre as duas escolas está, portanto, principalmente no método: dedutivo, de lógica abstrata, para a Escola Clássica, – indutivo e de observação dos fatos para a Escola Positiva” (FERRI, 1999, p. 64).
Assim é que a Escola Positiva, ao contrário dos Clássicos, considera o Direito Penal como expressão de exigências sociais e, precisamente, como aplicação jurídico-penal dos dados da antropologia criminal, da psicologia criminal, da sociologia criminal e da Criminologia.
Outros cientistas, não apenas os juristas, tomaram a investigação do fenômeno da criminalidade não em sentido abstrato, senão também, e, principalmente, no sentido concreto, convertendo o homem criminoso em centro e objeto de investigação científica. E é justamente esta a razão para alinhar o nascimento da Criminologia à Escola Positiva, substituindo as togas pretas pelos jalecos brancos (VIANA, 2018, p. 52 e 53).
O livre-arbítrio e a liberdade humana como justificativas de responsabilidade são rejeitados vigorosamente pelo Positivismo, já que, para esta corrente, o homem é determinado em suas ações tanto por causas endógenas ou externas e por causas exógenas, que descendem de aspectos físicos, econômicos e sociais.
Por essas razões, dada a sua limitação explicativa, os positivistas serviram-se do método indutivo ou experimental no estudo do crime, que consiste na utilização dos dados particulares e deles se volta a uma proposição geral que compreende não somente os supostos observados, senão todos os demais que com ele guardam relação de semelhança (SAINZ CANTERO, 1981, p. 129).
A propósito, é interessante salientar que a Escola Positiva possuía três orientações distintas, sendo elas: a Antropobiológica (denominada por alguns doutrinadores apenas como Antropológica), representada por Lombroso; a Sociológica, cujo principal expoente era Ferri; e a Jurídica, que tinha como figura determinante Garofalo. Em todas essas orientações, existe um sistema causal-explicativo alicerçado pelo comportamento criminal e pela hereditariedade e anomalias.
Diante do quadro apresentado, conclui-se, portanto, que, enquanto a denominada Escola Clássica, munida pelo iluminismo-liberalismo, inspirou a luta da burguesia contra o Estado absolutista, a Escola Positiva, em contramão, envolveu-se pelo cientificismo, tendo ambas, entretanto, disputado a hegemonia em servir de referência no controle da ordem social imposta pelo capitalismo.
A Escola Cartográfica, por sua vez, foi responsável pela transição entre a Escola Clássica e a Escola Positiva, através de seu zelo à disciplina da probabilidade.
REFERÊNCIAS
BANDERA, Vinicius. Escolas clássica e positiva de direito penal: contradições teórico-metodológicas. Disponível aqui. Acesso em: 25 jan. 2021.
EXNER, Franz. Kriminologia. 3. Aufl. Göttingen: Springer, 1949.
FERRI, Enrico. Princípios do direito criminal; trad. Paolo Capitanio. 2. ed. São Paulo: Bookseller, 1999.
LYRA, Roberto. Novas escolas penais. Rio de Janeiro: Canton e Reide, 1936.
SAINZ CANTERO, José A. Lecciones de derecho penal: parte general. Barcelona: Bosh, 1981.
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.
NOTA
[1] Friedrich Spee (Kaiserswerth, Düsseldorf, 25 de fevereiro de 1591 — Trier, 7 de agosto de 1635) foi um jesuíta e poeta alemão conhecido pela crítica ao processo inquisitório adotado nos julgamentos de bruxaria. À sua época Spee foi a primeira pessoa a levantar voz e argumentar contra a tortura. Pode-se considerá-lo o primeiro a demonstrar por bons argumentos que a tortura não é um meio de obter a “verdade” de alguém submetido a um interrogatório penoso. Spee nasceu em Kaiserswerth, na cidade de Düsseldorf. Completou sua educação básica em Colônia, ingressou na Companhia de Jesus em 1610 e deu sequência aos seus estudos e à docência nas cidades de Trier, Fulda, Würzburg, Speyer, Worms e Mogúncia. Foi ordenado padre em 1622 e tornou-se professor da Universidade de Paderborn em 1624; desde 1626 lecionou em Speyer, Wesel, Trier e Colônia e foi pregador em Paderborn, Colônia e Hildesheim.Spee ouviu as confissões das pessoas acusadas de bruxaria na cidade alemã de Wurtzburgo e em 1631 publicou o livro Cautio criminalis, em que desconstrói os procedimentos de julgamento. Morreu vítima de uma infecção contraída num hospital. A Cautio Criminalis traz 52 questões que Spee tenta responder. SPEE, Friedrich. Cautio criminalis. In: SAGAN, Carl. O Mundo Assombrado pelos Demônios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. pp. 456-461
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